O GOVERNO JK – UM MÉDICO NA PRESIDÊNCIA
O mandato presidencial de Juscelino Kubitschek
de Oliveira é comumente conhecido pelo epíteto de ''anos dourados'', visto ao
grande processo de industrialização que o país passou, bem como da estabilidade
política que seu governo gozou. É a partir deste contexto que este ensaio tem
como objetivo expor como ocorreu este processo de industrialização no governo
JK, mostrando as diferentes correntes de desenvolvimento para o Brasil, que
disputavam o apoio do presidente, além de abordar a sua política econômica tão
voltada para o desenvolvimento industrial do Brasil. A fundamentação teórica
está baseada nos estudos deLeopoldi (1991) e Moreira (2003). Durante a
conclusão abordaremos que mesmo com um governo de caráter desenvolvimentista, a
administração do governo JK foi marcada por alguns pontos negativos que
comumente não são conhecidos pela grande maioria da sociedade atual.
Três visões para o desenvolvimento do
Brasil
O governo de Juscelino Kubitschek de
Oliveira que compreende os anos de 1956-1960 é marcado por um fato que o irá
diferir dos demais governos do ''período democrático'', este fato é a
estabilidade política, até mesmo o governo Dutra que também foi marcado pela
estabilidade política, Juscelino consegue diferir, pois ao contrário deste
presidente, Juscelino aproveita esta estabilidade para implantar o seu plano de
metas que tem como objetivo o desenvolvimento econômico do Brasil.
Durante a campanha presidencialista de
1955, Juscelino contando com a coligação PSD/PTB e com o apoio do PC mesmo
estando na ilegalidade conseguiu também se diferenciar do plano político da
época, quando apresentou o plano de metas que queria desenvolver durante o seu
governo, este plano consiste em 30 metas que deveriam ser alcançadas nos cinco
anos de governo, privilegiando setores como: energia, transportes, alimentação,
indústria de base e educação, Juscelino queria realizar o que seu slogan de
governo dizia ''50 anos em 5''. Neste contexto Brasília se configurava como a
sua ''meta síntese'', tornando-se a grande prioridade do governo. (MOREIRA,
2003)
Com intuito de levar a efeito seus
planos JK adotou três estágios consensuais para tomar suas decisões, que é a
legitimidade, o uso da ideologia desenvolvimentista e a negociação e adiamento
de questões problemáticas.
Em relação a sua política industrial
Juscelino estabeleceu metas concretas e uma continua verificação da efetivação
de tais metas; o apelo ao capital estrangeiro para promoção do crescimento
industrial; o investimento na industrialização pesada com forte participação do
setor público; o protecionismo através do sistema cambial e das alíquotas; a
articulação das metas, fazendo com que o desenvolvimento de um setor influenciasse
os setores; o financiamento inflacionário; e a concentração industrial no
Centro-Sul, principalmente em São Paulo.
Junto a este desenvolvimento de base
capitalista Juscelino agregava outro, o nacionalismo utilizando de expressões
como ''desenvolvimento nacional, dos interesses nacionais, das forças
nacionais, da integração nacional, etc.'' (MORREIRA, 2003, p. 161) o que também
contribuiu para que Juscelino fosse reconhecido como nacionalista, foi a sua
proximidade política com o movimento nacionalista, será neste contexto que se
desenvolverá a ideologia do nacional-desenvolvimentismo.
O movimento nacionalista possuía duas
grandes tendências que eram o nacional-desenvolvimentismo, este possuía o apoio
dos intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e de JK e
o nacional econômico que tinha o apoio da esquerda do período em especial o PC
e o PTB, no qual se utilizavam da Revista Brasiliense para defender os seus
interesses. Em linhas gerais o primeiro defendia uma industrialização do tipo
capitalista, baseada principalmente no capital externo, enquanto o segundo
defendia a industrialização do país sobre ''bases nacionais'', visto que eles
viam na industrialização apoiada pelo ISEB e JK uma dependência do Brasil ao
capital externo por isso eles denominavam o modelo nacional-desenvolvimentista
de ''entreguista''. Embora em alguns aspectos eles convergissem como nos mostra
Moreira (2003, p. 168) ''Os políticos progressistas, fossem eles reformistas
sociais ou simplesmente liberais interessados no aprofundamento do capitalismo
industrial, eram unânimes quanto a crítica ao latifúndio'' pois eles
consideravam a oligarquia latifundiária como o principal empecilho para o
desenvolvimento industrial do país.
Será esta posição de apoiar o
desenvolvimentismo industrial do Brasil, mesmo não concordando em alguns pontos
como o uso do capital externo que o partido comunista não será perseguido no
governo Kubitschek, como ocorreu de forma marcante no governo Dutra. O partido
tomou uma conduta de elogiar o que via de contributo ao desenvolvimento
nacional, por parte do governo, más, não deixando de criticar algumas posições
tomadas também pelo governo para obter este desenvolvimento.
Outro segmento de grande influência e
com uma visão própria para o desenvolvimento do país era o setor ruralista, em
que Juscelino não podia ignorar caso quisesse por em prática o seu projeto de
desenvolvimento nacional, neste sentido Juscelino teria que encontrar um meio
que atendesse os interesses dos ruralistas e dos industriais. É assim que se
desenvolverá a ''operação Brasília'' que consistia na construção da nova
capital do país e do ''cruzeiro rodoviário'' que constituía um conjunto de
rodovias que integravam as várias regiões do Brasil com Brasília. Assim a
operação Brasília atendia aos interesses dos industriais, pois integrava a
população do interior com a população do litoral ampliando dessa forma o
mercado consumidor interno, bem como aos interesses dos ruralistas, pois estes
viam na operação Brasília à possibilidade de ampliar as fronteiras agrícolas
além de constituir novos latifúndios.
A visão dos ruralistas divergia com a
visão do movimento nacional em especial com a do grupo do nacional econômico
que tinha como base o partido trabalhista brasileiro (PTB) e o partido
comunista (PC), estes defendiam a aplicação das leis trabalhistas aos
trabalhadores rurais, o direito ao voto por parte dos analfabetos, a reforma
agrária e a diminuição dos grandes latifúndios. Para os ruralistas essas
questões eram prejudiciais aos seus interesses, pois davam maior liberdade aos
trabalhadores rurais, um exemplo de tal divergência de visões era quanto ao
assunto da reforma agrária, pois os trabalhistas viam na reforma agrária uma
forma de elevar o poder aquisitivo das pessoas do campo, aumentando então o
mercado consumidor interno para os bens produzidos pelas indústrias. Já os
ruralistas não entendiam a reforma agrária como distribuição de terras, mas sim
como modernizar o setor agrário, mecanizando a produção agrícola.
Diante desta questão Juscelino se
posicionou a favor dos ruralistas, visto que não ocorreu a reforma agrária,
pelo contrário, com a operação Brasília JK estimulou o aumento dos latifúndios
através da apropriação territorial. Além de ir contra a ideologia do movimento
nacional, com essas medidas a favor da elite agrária Juscelino prejudicava uma
grande parcela da população que vivia no interior do país como os posseiros, as
populações ribeirinhas e os povos indígenas. Segundo Moreira (2003, p.190)
''para aquela gente comum e simples, os anos JK foram mais cinzas do que
dourado. ''
A política econômica no governo de JK
O governo de Juscelino foi marcado
pelas políticas cambial e de comércio exterior bem como pela política
industrial, delineada pelo Plano de Metas e apoiada num complexo sistema
cambial e numa nova tarifa alfandegária. Essas políticas provocaram grandes
mudanças na sociedade e na economia brasileira.
A contextura internacional foi o quadro
de maior influência no período de JK, de maneira que três campos afetaram as
decisões de Juscelino na área político-econômica: o campo internacional, o
Estado e os setores econômicos. No entanto, havia três prioridades não
negociáveis para Juscelino: o crescimento, a construção de Brasília e a decisão
de não fazer reforma cambial.
JK iniciou o seu governo com pessoal de
alta qualificação nos ministérios da Fazenda e das Relações Exteriores,
considerados cruciais ao bom andamento de sua administração. O Ministério da
Fazenda atuou na captação de recursos internos e externos, no intento de
financiar projetos de infra-estrutura nas áreas de energia, transporte,
siderurgia e petróleo. Já o Ministério das Relações exteriores procedeu na
busca de recursos internacionais para efetivar o Plano de Metas. Grandes
agências vinculadas ao Ministério da Fazenda convergiam no ato de levar a
efeito o plano desenvolvimentista do governo, como o Tesouro, o Banco do Brasil,
a Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito), o IBC (Instituto Brasileiro
do Café) e o Ministério da Viação e Obras Públicas. (LEOPOLDI, 1991)
Juscelino também formou grupos
executivos encarregados de implementar suas metas, dentre eles o Geia (Grupo
Executivo da Indústria Automobilística), o Geimape (Grupo Executivo da
indústriaMecânica Pesada), o Geimaq (Grupo Executivo da Indústria de Bens de
Capital) e o Geicon (Grupo Executivo da Indústria de Construção Naval). A
formação destes grupos se constituiu num investimento inovador no cenário
brasileiro.
Nesse contexto, nos dois primeiros anos
de seu governo o Ministério da Fazenda, o Conselho de Desenvolvimento[2] e o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) se constituíram nos
elementos mais importantes na política econômica brasileira. Nos anos
posteriores a inflação já havia crescido, surgindo as manifestações de greve
por todo o país, além disso as contas externas sofriam grande desequilíbrio,
como aponta Leopoldi (1991,p. 115):
A despeito do crescimento da inflação,
do descontentamento evidenciado pelas greves e do desequilíbrio das contas
externas, Juscelino manteve sua determinação de completar a execução das metas
e transferir a capital para Brasília.
Tornou-se difícil, portanto conciliar
crescimento com solidez monetária, ainda assim, como se vê, Juscelino mantinha
firme sua decisão de executar o Plano de Metas e de construir a nova capital.
Esta realidade demonstra que os anos JK foram marcados pela centralização das
decisões econômicas.
Mesmo frente a estas dificuldades, o
governo foi bem sucedido no que concerne a política dirigida à consecução das
metas industriais de seu plano, porquanto conseguiu consolidar a
infra-estrutura energética, de transportes e de insumos básicos, conseguindo
implantar novos setores da indústria pesada e aliviar a importação.Uma forma de
observarmos os resultados do plano de metas são através dos números como mostra
o gráfico abaixo:
1956
1960
Energia Elétrica
3.000.000 kw
5.000.000 kw
Produção de carvão mineral
2.000.000 t
3.000.000 t
Produção de petróleo
6.800 barris/dia
75.500 barris/dia
Celulose e papel
90.000 t
200.000 t
Produção siderúrgica
1.000.000 t
2.000.000 t
Fonte:O nacional-desenvolvimentismo.
Como se percebe acima, o plano de metas
foi exitoso no que diz respeito ao aumento de forma significativa da produção
da indústria de base e de setores estratégicos para um maior desenvolvimento
industrial do país como, por exemplo, da energia elétrica. Outros pontos em que
o plano de metas conseguiu realizar e até superar as suas expectativas foram na
pavimentação de estradas em que o plano previa 5.000 km e no final do governo
tinha alcançado 6.202 km; na construção de novas rodovias esperava-se 12.000 km,
em 1960 já tinham alcançado 14.970 km; já em relação a produção de veículos no
final do governo a produção poderia ser aumentada em 17, 2% do que a meta teria
previsto que era de 170.000 veículos entre automóveis e caminhões. (MOREIRA,
2003)
Em conseqüência do aumento da produção
industrial possibilitou-se a criação de vários novos empregos para os
trabalhadores do meio urbano, além de possibilitar o consumo de bens por parte
da classe média, visto que antes tais bens só eram possíveis serem adquiridos por
meio da importação.
Já no setor da política cambial e
comércio externo, JK se defrontou com impedimentos internos e externos, pois
ele não obteve êxito quanto ao aumento das exportações, concorrendo no aumento
da carência de divisas e, conseqüentemente, do endividamento resultante da
captação de recursos externos para efetivação do plano de metas.
Juscelino procedeu ao incentivo cambial
para que as companhias estrangeiras se instalassem no Brasil o que acelerou o
processo de internacionalização da economia brasileira, favorecendo assim a
instalação de grandes complexos industriais. (LEOPOLDI, 1991)
Com relação às importações e
exportações, o governo deu continuidade a política cambial estabelecida ainda
no governo de Vargas, em que os importadores pagavam ágio de acordo com a
essencialidade do produto e os exportadores recebiam bônus. Foi mediante tal
política que o Juscelino captou receitas para os gastos resultantes da
construção de Brasília.
O regime cambial cumpria assim a função
fiscal, uma vez que tributava o importador, dele arrecadando a receita dos
ágios. Tributava também o exportador, que perdia para o governo a diferença
entre o valor do dólar no mercado livre e o dólar exportação. (LEOPOLDI,
1991,p. 115)
Outro fator que beneficiou em grande
medida Plano de Metas foi uma medida de emissão de licença, implantada ainda no
governo de Café Filho em 1955, que determinava a emissão de licenças sobre a
importação de equipamentos para a indústria, porquanto incentivava o investidor
estrangeiro a trazer para o Brasil equipamentos para ampliação e abertura de
novas empresas, resultando na instalação de grandes complexos industriais.
Esta situação provocou fortes mudanças
no relacionamento entre a burguesia local e o governo, pois este passou a
conceder maiores benefícios às empresas multinacionais e às estatais. Diante
deste contexto e com intuito de acalmar os ânimos dos descontentes com tal
posicionamento o presidente adotou um discurso nacional-desenvolvimentista.
Além da insatisfação interna, JK ainda
conseguiu o descontentamento do FMI (Fundo Monetário Internacional), pois a
política econômica daquele não estava de acordo com os ditames deste. Esta
situação fez com que o Fundo se negasse a dar-lhe empréstimo de longo prazo
caso JK não fizesse uma reforma cambial, o que resultaria na queda da inflação.
A instituição fazia estas recomendações porque na situação econômica que o
Brasil já se encontrava, ele não teria condições de pagar futuras dívidas.
Resistindo seguir as recomendações do FMI, Juscelino rompeu unilateralmente com
a instituição.
A partir de 1958 houve uma
simplificação no sistema cambial, mediante tarifa organizada e produzida na CNI
(Confederação Nacional da Indústria), como afirma Leopoldi (1991, p. 122):
A simplificação do sistema cambial, com
a gradual redução dos controles (licenças previas, cambio múltiplo, quotas de
importação), respondia em parte as recomendações do FMI. Por essa época o FMI
estava começando a financiar programas de estabilização na América Latina, e
uma das exigências da instituição era asimplificação de cambio.
Em 1960 a balança comercial ficou
deficitária, os fluxos de capital privado se reduzirame aumentou o pagamento de
serviços no exterior, o que levou o governo a restabelecer relações com o FMIe
a sacar empréstimos de curto prazo.
Conclusão
Para concluir este estudo sobre o
desenvolvimentismo durante o governo JK, faz-se necessário uma análise, mesmo
que de forma superficial, deste governo de caráter ''desenvolvimentista'' no
qual podemos destacar alguns pontos positivos e negativos da sua administração.
De positivo temos o desenvolvimento e
ampliação do parque industrial do país, que possibilitou o aumento da oferta de
empregos à população urbana, além de estimular o consumo por parte da classe
média, resultando na diminuição das importações; no setor de infra-estrutura
atuou de forma marcante nos principais pontos de estrangulamento como energia e
transporte que inibiam o desenvolvimento do país; construiu a nova capital do
país situada na região centro-oeste, que mesmo sofrendo com algumas críticas, é
impossível o não reconhecimento da sua importância para a aceleração do
desenvolvimento da região central do Brasil, ajudando dessa forma a integração
nacional; e por fim a estabilidade política do seu governo que possibilitou o
desenvolvimento do seu plano de metas.
Quanto aos pontos negativos do seu
governo pode-se citar a grande presença do capital externo, o que torna o
Brasil dependente às nações ''desenvolvidas''; houve no seu governo um grande
aumento dos gastos públicos; O governo JK também deixou aos seus sucessores a
alta da inflação e o grande aumento na divida externa e do balanço de
pagamentos; o seu governo protegeu a elite rural o que impossibilitou a
realização da reforma agrária e a implementação dos direitos trabalhistas aos
trabalhadores rurais; durante o seu governo pouco se investiu em políticas
sociais, preferindo focalizar as ações do seu governo nas questões econômicas,
no desenvolvimento industrial e na manutenção da elite rural.
Destes pontos positivos e negativos do
governo JK podemos resumir que o seu governo mesmo com dificuldades internas e
externas procurou desenvolver o país por base da industrialização, obtendo um
relativo sucesso na economia brasileira, sendo a realização das metas, o
desenvolvimento industrial e a construção de Brasília, os maiores exemplos de
seu êxito. Em detrimento a este sucesso econômico está as condições de vida da
população do interior do país que pouco ou nada se beneficiou deste
desenvolvimento, visto que os seus esforços para a industrialização do país se
restringiu praticamente no estado de São Paulo, sobre esta questão Leopoldi
(1991, p.140) nos mostra que ''foi o estado de São Paulo o grande beneficiário
do governo JK. A indústria ali se concentrou ainda mais, especialmente no setor
mais dinâmico, de bens de capital.''
Referências
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. Crescendo
em meio à incerteza: a política econômica do governo JK (1956-60) In: GOMES,
Angela de Castro (org.). O Brasil de JK. 2 ed. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1991.
MOREIRA, Vania Maria Losada. Os anos
JK: industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento rural. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (org.). O Brasil
republicano. O tempo da experiência democrática: Da democratização de 1945 ao
golpe civil-militar de 1964. 1 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003, v. 3, p.155-194.